domingo, 7 de janeiro de 2007

Para que serve a OTAN?

O texto abaixo foi publicado no jornal russo Pravda (em português) em fevereiro de 2006:
A criação da Organização Tratado do Atlântico Norte, em 1949, foi baseada em uma mentira: a da ameaça da União Soviética, que, com o fim da Segunda Guerra Mundial, estaria pronta e disposta a atacar a Europa ocidental.

A verdade, porém, é que a URSS não tinha a menor intenção de entrar em outra guerra, depois dos imensos sacrifícios que este país teve que sofrer para derrotar a Alemanha nazista; e mesmo que tivesse intenção, não tinha os meios: não podia manter grandes forças armadas, pois necessitava mão-de-obra para reconstruir-se; sua economia, embora produzisse grandes quantidades de aviões de guerra, tanques e fuzis, quase não conseguia alimentar sua população, então submetida a um severo racionamento; mais de 20 milhões de soviéticos morreram, um número muito maior de baixas que as de qualquer outro país; e enquanto os EUA tinham armas nucleares e aviões capazes de atingir alvos no território soviético, a URSS carecia de ambos.

A "ameaça vermelha" era uma farsa, criada para amedrontar os europeus e justificar a presença militar norte-americana nesse continente.

Porém, em 1990, seu rival, o Pacto de Varsóvia, deixou de existir; em 1991, a própria URSS desapareceu; ao longo da década de 90, o poderio militar russo encolheu muitíssimo, e as últimas bases militares russas fora do território da antiga URSS foram fechadas. O mais lógico seria que os EUA fizessem o mesmo e a OTAN também deixasse de existir, o que permitiria aos norte-americanos e europeus economizar recursos e eliminar definitivamente as tensões com a Rússia. O surpreendente, porém, é que a OTAN não apenas foi mantida, como está sendo continuamente expandida. Por quê?

Parecem haver três motivos. O primeiro é que a OTAN permite aos EUA manter a Europa sob seu domínio estratégico. A Zona do Euro, na União Européia, é a maior economia do mundo, muito mais produtiva e com maior renda per capita que os EUA. Se quisesse, a Europa poderia constituir um poderio militar autônomo, capaz de competir com os Estados Unidos. A OTAN garante que isso nunca ocorrerá: a existência desta aliança faz com que os países europeus permaneçam sob total dependência estratégica dos EUA.

O segundo é político-econômico: a OTAN não é apenas uma imensa força militar, é também fonte de empregos para milhares de burocratas e de contratos bilionários para grandes empresas militares. As exportações de armas norte-americanas aos seus ricos aliados europeus garantem aos EUA a liderança no comércio internacional de armamentos.

E o terceiro é a Rússia. Embora este país tenha reduzido muito seus arsenais nucleares e convencionais, e sempre tenha se esforçado por melhorar as relações com os EUA e a Europa, nunca aceitou submeter-se ao papel que estas potências querem impor-lhe: a de mero exportador de matérias-primas e fonte de mão-de-obra barata. A Rússia, longe de desmoronar-se por completo, como muitos imaginavam, está em rápida recuperação e voltando a ser uma potência mundial de primeiríssima grandeza. Além disso, a Rússia é o único país com tecnologia militar, espacial e nuclear capaz de competir (e, em muitos casos, até de superar) os Estados Unidos. Logo, a OTAN tem que ser expandida até cercar por completo a Rússia, rival natural dos EUA.

Afirma-se freqüentemente que os países que eram membros do Pacto de Varsóvia, e agora pertecem à OTAN, já não estão mais submetidos a um "império" e são livres. Em primeiro lugar, a URSS não era um "império", e o Pacto de Varsóvia não foi criado para conquistar outros países, mas defender-se contra a OTAN (pois a aliança de países socialistas foi criada em 1955, 6 anos depois que a OTAN).

Mesmo que a União Soviética fosse imperialista, é difícil imaginar o que teria mudado para os países da Europa oriental: antes estavam submetidos política, econômica e militarmente a Moscou, e agora a Washington. Na melhor das hipóteses, simplesmente trocaram de chefe.

Com a grande diferença que a URSS não era tão imperialista ou agressiva quanto os EUA, e seus aliados não necessitavam enviar tropas a lugares distantes sem outro motivo além de agradar a potência que os comanda. O que ganha a Polônia ao enviar tropas para o Iraque? Aplausos de Washington, sem dúvida; mas sobretudo gastam dinheiro e sacrificam vidas numa guerra sem sentido, e recebem a desaprovação e o desprezo da comunidade internacional.

A idéia de que uma aliança de defesa mútua impede guerras é um sofisma que já provou na prática ser falso: o conflito de 1914 foi a Primeira Guerra Mundial exatamente pelos grandes sistemas de alianças que começaram a formar-se desde o fim do século XIX. Tudo o que as alianças deste tipo conseguem é fazer com que conflitos pontuais entre dois países cresçam, envolvendo também seus respectivos aliados: pois o princípio básico de funcionamento é, se um país da aliança entra em guerra, todos os demais automaticamente se unem.

Aliás, aí reside o principal perigo da expansão da OTAN: já foram aceitos nesta aliança os países bálticos soviéticos, Lituânia, Letônia e Estônia; é de se esperar que em breve também será membro a Geórgia. E estes quatro países não perdem uma única oportunidade de provocar a Rússia. A Geórgia, por sinal, já fala em declarar guerra à Rússia, por "tentativa de anexação" (assim é como as autoridades georgianas se referem às missões de paz russas na Abkházia e Ossétia do Sul, regiões que estiveram em guerra com as autoridades centrais georgiana na década de 90, cujos conflitos foram encerrados exatamente graças às tropas russas, enviadas a pedido tanto do governo georgiano na época, quanto pelas populações dessas regiões). Assim, não é difícil imaginar que, devido a líderes lunáticos em países insignificantes, a OTAN e a Rússia entrem em guerra em um futuro próximo.

Se os europeus tivessem bom-senso, não teriam permitido jamais a formação da OTAN; pelo menos, teriam feito como a França, que já na década de 60 se afastou (sem desvincular-se por completo) da aliança atlântica, exatamente para garantir maior autonomia estratégica. Mas, principalmente, não permitiriam a expansão da aliança. Os europeus não ganham nada com a entrada de novos países à OTAN (só os EUA lucram com isso), e se arriscam a sofrer pela terceira vez uma grande guerra mundial em seu continente.

Carlo MOIANA
Pravda.ru
Buenos Aires

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