quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Eles odeiam tudo isso

Há tempos venho tentando encontrar um ponto em comum entre as linhas de raciocínio dos articulistas da grande mídia. Achei: Bovarismo. Pois bem: Madame Bovary, personagem do livro de mesmo nome de Gustave Flaubert, odiava a vida que vivia, o lugar onde morava, as pessoas que as convenções a obrigavam respeitar, etc. Como fruto disso, a alienação de si e a fantasia que cria um mundo que não existe aparecem para a personagem como forças inevitáveis e arrebatadoras.

Trazendo essa visão para a mídia corporativa nacional, poderíamos citar de seu ódio e vergonha por ser brasileira. Essa frustração pode ser encontrada no extremo pessimismo para com o futuro do Brasil (suspenso quando a "canarinho" entra em campo, aliás, esse amor pela "amarelinha" foi percebido como saudável por ela, a Santa Ditadura Militar...), bem como no potencial de seu povo e do presidente que esse povo elegeu - expressos diariamente nos editoriais dos jornais e telejornais (não nos esqueçamos das semanais...). A partir disso - e tal como a Sra. Bovary sonhava com os salões parisienses -, nossos pensadores elegem o que julgam o lugar melhor, o lar imaginário que estabelecem como arquétipo da perfeição – sem perceberem aí a gênese de sua alienação e imprecisão nas projeções (geralmente catastróficas) para os rumos do Brasil. Os pensamentos de nossos patéticos formadores de opinião teimam em vaguear entre os Estados Unidos e a Europa, colocando esses lugares como parâmetros positivos para tudo; cabe ressaltar, até genocídio em troca de petróleo é tido como normal em nossos jornais.

Dois exemplos: 1) Bolsa Família, 0,38% do PIB indo para os bolsos dos nossos famintos. Que mal há nisso? Assistencialismo? 0,38 % do PIB para matar a fome dos miseráveis que, SIM, existem? Não, meus caros; a palavra não é assistencialismo (do Governo), é bovarismo (na mídia). Gastar, seja lá quanto for, no combate à fome é admitir a existência da miséria. Madame Bovary não suporta. Sua mente "hemisfério norte" precisa ser respeitada. Admitir a existência dos "desdentados" (palavra usada freqüentemente pelo Reinaldo Azevedo) é ter de pensar neles, e pensar neles faz mal ao arquétipo... Estrutura desse arquétipo: Cinemark, sim. Samba de roda, não. Capitão Nascimento, sim. Brizola, não. 2) Copa do Mundo no Brasil, evento comumente revolucionário na infra-estrutura dos países-sede. Qual o problema de vir ao Brasil? Prejuízo ao erário? Desvio de verbas? Não. Bovarismo. Eventuais buracos nos banners podem deixar a imagem das favelas passar para as lentes que levarão a Copa para as telas de TV mundo a fora. Vergonha! A realidade brasileira é algo a ser recalcado, mostrar isso ao mundo é mostrar a mim, e mostrar a mim é me fazer lembrar... Paris, sim. Capão Redondo, não. Nova Iorque, sim. Cidade de Deus, Deus me livre.


Termine de ler no Pequena Mídia.

3 comentários:

Cé S. disse...

Bem interessante esta visão.

José Elesbán disse...

Também achei.

Rodrigo disse...

Obrigado pela postagem, Zé.

Forte abraço,

Rodrigo