terça-feira, 23 de dezembro de 2014

O Apocalipse adiado

Se fosse possível definir o ano de 2014 em relação à mídia tradicional, pode-se afirmar que as organizações de imprensa dominantes, aquelas que conduzem a pauta institucional e parte relevante da agenda pública, se revelaram como uma mente estranha no corpo social. Desde o primeiro dia do ano, com o país ainda assombrado pelas manifestações que haviam tomado as ruas em 2013, passando pelas previsões catastrofistas para a Copa do Mundo, e concluindo com a eleição presidencial, os jornais de circulação nacional e os principais noticiosos do rádio e da televisão desenharam um quadro de fim de mundo que nunca chegou perto de se tornar realidade.
Olhando-se para trás, vê-se que a sociedade seguiu sua rotina de cuidar da própria vida, enquanto o carnaval da imprensa desfilava suas profecias apocalípticas de empobrecimento do brasileiro. Na terça-feira (23/12), porém, informa-se que o endividamento das famílias é menor do que há um ano, e o comércio está fervendo. No entanto, segundo a pesquisa divulgada na sexta-feira (19), pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, os jornais têm credibilidade onde são lidos.
Onde, então, está a incongruência?
A resposta é simples e preocupante: a imprensa, vista como o conjunto de mídias tradicionais empacotadas em marcas conhecidas como Globo, Abril, Estado e Folha, construiu um ecossistema à parte, que funciona numa dimensão paralela à da sociedade. Esse conjunto fala diretamente às instituições, e através delas tenta se impor ao campo social, também chamado de espaço público.
Mas nem sempre isso acontece. Nos últimos anos, a mídia hegemônica tem se comportado como um poder paralelo que se arvora em representante da sociedade. Sua ação, em vez de integrar, rompe as ligações entre a sociedade e as instituições democráticas que a representam.
Talvez 2014 tenha marcado mais claramente o esgarçamento dessa relação entre o todo social e suas representações institucionais; a mídia tradicional pode, então, ser vista isoladamente como um corpo estranho a ambos os campos que, no entanto, só faz sentido se for reconhecido como parte integradora dos dois universos. Em condições ideais, em nome da sociedade a imprensa faz a crítica das instituições, e em nome das instituições a imprensa adverte a sociedade.

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